Talentosos, perfeitos, bonitos, cheirosos, charmosos e modestos:

domingo, 11 de dezembro de 2011

Os dias em que a terra parou


Nas primeiras horas foi um baque. O que fariam dali em diante? Como manteriam os negócios, o dia a dia? Poucos ainda lembravam da arte de escrever. Afinal, a última vez que escreveram fora no C.A. Os que não se esqueceram se viravam como podia, e o faziam num ritmo aceleradíssimo, devagar, quase parando, porque perderam o jeito. Era papel por todo o lado, e os chefes já haviam perdido todos os cabelos. O único conforto desses patrões era o café, que tomavam em PA, enquanto apodreciam seus dentes em PG. Naquele dia, todo mundo saiu mais cedo. O caos reinou nas ruas. O stress do trânsito, sem o rádio funcionando - porque esqueceram como se mexia em aparelhos analógicos - nem GPS obrigava alguns carros a subirem na calçada, darem de frente nos muros e passarem por cima de alguns pedestres. Os que conseguiam chegar em casa antes da madrugada viram os filhos chorando e as mães desesperadas. 
No segundo dia, os supermercados, que não abriram, foram alvos de saques. Enlatados, processados e congelados. Nada sobrou na prateleira, a não ser sangue. E sangue também era visto na porta. Quem chegava tarde se virava como podia: dava tiro, facada, punhalada. Depois foi a vez dos restaurantes. Todos foram atacados, também. Assim como os mercados, os restaurantes não tinham aberto, pois nenhum chef se lembrava das receitas. Nem as donas de casa. Nem a Ana Maria Braga (que nem foi trabalhar). Nenhuma criança foi à escola, pois não sabiam de mais nada. Seus livros pararam de funcionar - sim, isso faz sentido. Em casa, nada os distraía. Nunca aprenderam a jogar peão, nem bola de gude, e o condomínio não tinha quadra, por ser investimento inútil. 
No terceiro dia, todos acordaram mais peludos. Os homens batiam com pau na cabeça das mulheres, e perpetuavam a espécie. As cinco ou seis árvores qe ainda restavam em cada bairro estavam repletas de "neoneandertais", procurando frutos. De volta à era da pedra lascada. Alguns ainda lembravam como se andava à cavalo, e eram tidos como deuses de quatro patas e duas cabeças; matavam quem queriam, para poderem comer. Desdescobriram a toda e o jeito de se fazer fogo. Passavam a morar em pseudocavernas: abrigos fechados, longe de grandes predadores, abundantes em água. Há menos de uma semana, esses abrigos eram conhecidos como "esgoto". As pestes se alastravam, as pessoas morriam o povo migrava. Árabes e judeus, espanhóis e bascos, chineses e tibetanos não tinham mais diferenças etnico-culturais. Agora se matavam para sobreviver. 
No quarto dia, um pioneiro fez uma tentativa que deu certo. Espalhou a notícia, que logo correu o planeta: depois de três dias de fim do mundo, a internet havia voltado a funcionar. Os pelos foram caindo, as roupas foram sendo costuradas, os homens foram dando as mãos e cantando We Are the World, num coro de sete bilhões de pessoas, com o fundo da música tocando no YouTube. As empregadas cozinhavam, as crianças estudavam, os homens da bolsa voltavam a gritar e cheirar. 
Não se sabe ao certo quem foi que consertou a rede mundial de computadores. Como conseguiram ficar sãos, e manter a cabeça inteligente? Acredito que tenham sido monges budistas, mas estou meio sozinho nessa. Especulam que tenha sido a NASA, a ROSKOSMOS ou a PMERJ, mas a última é mais duvidosa. Porém, tanto faz. Na realidade, em menos de uma semana ninguém mais lembravam do ocorrido, pois nada foi filmado. Assim, os dias em que a terra parou viraram só mais três dias a menos no mês de fevereiro.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Redenção

Tivemos a redenção. Quando achávamos que tudo se perdia, nos achamos. Chegamos a pensar decretar a moratória; porém, nossas forças de direita não deixaram. Sorte nossa que, quando acordamos, um anjo torto veio e disse: 'Vai lá, vai sofrer na vida. Mas sofre sorrindo, tá?'. Eu disse 'tá'. E você também: 'tá'. Agora só sorrio. Agora só rio.
Que importa quem grita lá fora? Velha, criança, moça, o que for! Abdicamos de tudo para depois fingirmos nosso golpe da maioridade. Cobertos de coberta, Chopin nos acobertou. Nosso recital foi cheio de dedos , tocatas, fugas... um valsa. Uma grande valsa brilhante!
Sorte! Não cometemos aquele grande erro! Será que seria erro? Por via das dúvidas, você me abraçou. Foi meu invólucro. Cada morro, cada vale, cada planície segura do seu território foi invadido pelo meu. E a recíproca confirmou-se. Eu gangorrei, você carrosselou.
Então você veio, deixou a luminária de lado e teve sua luz própria. Ou melhor: ambos tivemos luz própria. Deixamos uma supernova explodir, quase um big bang! Talvez daí tenha surgido a Via Láctea. Se não foi ali, foi num episódio parecido. 
Você sorriu, eu sorri. Beijamo-nos. Cristo redentou por nós. Ou alguém mais embaixo.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Úmido Fluxo

Hoje encabeçarei a discução sobre rios,
ei de numerar cada desvio,
afluente, nascente e pavio,
dos lampiões que o exploraram.

Os que nele riram, gozaram serenos,
e em suas pedras deitaram amenos,
sem notar anúncio ou ruído terreno,
a anunciar o trovão.

Se o ladrar do cão assustasse,
não haveria um sequer que o sujasse,
nem com metal nem com refrão.

Assim fica explícito, então,
que o dito rio nada mais é, senão,
a minha, a tua e a nossa vida em transição.





domingo, 27 de novembro de 2011

Tchau! quê?

Pegou ela foi o primeiro trem
subiu e foi nele até Luxemburgo
gritou seu ex-dono, já meio surdo:
Ah! serve, então, sua ingrata, a outrém!

Velho homem, aquele, moribundo
Que nem fazia da pobre refém
Judiou, sim, é verdade, porém
Nada de fato intenso, nem profundo

Jovem, por isso metia rebelde
Gritou que nunca mais um dia fosse
Ser arrancada por outro que excede

Da vã loucura e do tal agridoce
Assim, Zé Bobeira, é que se escafede
A orelha esquerda do pintor Van Gogh

sábado, 12 de novembro de 2011

A vida não necessariamente é literária

A vida é literária. Cada um tem o seu jeito de viver, tais quais os livros têm suas diretrizes. Há quem faça da vida um parágrafo, mas há outros que acabam por publicar uma novela. Alguns são best-sellers, que aparecem em capas de revistas. Outros, encontram-se somente nos melhores sebos do Centro. Cada qual com seu cada quem, a vida passa do jeito que se escreve.
Há os barrocos, que num dilema entre céu e inferno, vivem o exagero. Não sabendo onde parar, soam incerteza e choram a dúvida. Vociferam anjinhos de fogo, sem saber para que lado ir. Extremamente rebuscados, cheiram a santos-do-pau-oco. Ora tranquilos, ora pecadores-mor, às vezes alguns não sabem onde parar, e chegam a ter aparência de rococó.
Há os árcades, que 'carpediam' bem longe do centro urbano, com a maior simplicidade. O pastoreio é, na verdade, é uma metáfora no século vinte e um para o isolamento individual em qualquer cantinho agradável, onde o neoclássico possa pensar sua musa. Sem muito rebuscamento, apenas cantam as graças às Marílias, com perigoso toque de idealização. Ah, Marílias nunca são perfeitas. Mas vai lá.
Há os românticos, que, agora sim, alarmantemente idealizam suas virgens e, num piscar de olhos, deparam-se deitados no chão da taberna. Nação, mulher ou sociedade, esses sempre se decepcionam. Ninguém é perfeito, muito menos fora do papel. Peris não se encontram nem na Amazônia, pra onde devem ter fugido quando derrumaram a Mata Atlântica. Desistam, amigos, Álvares de Azevedo morreu aos vinte anos.
Há os realistas, que veem as coisas de olho mais aberto. Atentos às coisas como realmente são, desconstroem qualquer tipo de endeusamento. Olham os olhos de cigana de Capitu e realmente a veem como a culpada. As coisas que parecem ser reais, nem sempre o são. Assim, pedem um narrador oniciente, para que se tenha certeza do ocorrido. Mas não adianta ouvir, se os humanos reais não conhecem nem a si mesmos.
Há os parnasianos, que se preocupam mais com a forma do que com o conteúdo. Reparam mais no trabalho do ourives estampado pelo corpo do que nos conflitos desse profissional de fé. Pro inferno esses daí. Sinto sono de seus sonetos. A alienação ao que realmente se passa por fora da métrica é deplorável.
Há os simbolistas, que de introspectivos tudo têm. Buscando o sonho, correm à musicalidade, e gritam, chegam à beira da loucura. Seu branco simboliza a sua indefinição. Não sabem se sonham ou se vivem, na verdade. Nessa incerteza e névoa, esses indivíduos trocam sentidos e repetem sons, numa esquizofrenia vital que se torna incômoda.
Há os modernistas, que zombam de tudo, que criticam tudo, que revolucionam tudo. Depois de passarem os dois patinhos na lagoa, mostraram que a vida não precisa ser certinha, nem bonita, nem complicada. Pode ser, se quiser, mas cada um tem um jeito. Pra quê se arrumar de mais se todo mundo acaba pisando na poça, uma vez ou outra? Mas às vezes passa dos limites, e mostra-se simplório de mais. E agora, José? O que faço? Vou pra Pasárgada?

O fato é que minha vida não é de academia. Vivencio um pouco de cada. Tenho cara de livro didático? Tenho é cara de homenzinho. Vou levando até que a vida me leve, sendo a geração que eu bem entender. Entender, não, que não me entendo, mas escrevo o que sai, vivo o que dá. Desculpem-me se não estou Top10, mas nem todo mundo fica no auge pra sempre. Às vezes a caneta falha, mas quase sempre está com carga. Por favor, quando acabar, me ajude a trocar, pois a vida não pode parar por um pequeno infortúnio. Quando dá uma pausa, um marcador de página deve ser usado, para que não se perca o fio da meada na leitura dessa Enciclopédia de 73,1 anos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Gaiola

Passarinhei                | Cotoviei                |  Curiosei
À passarinho             | Cotovelei              |  Curió
Passeio completo    | Cotoveleira         |  Curioso
Passado                        | Corto a veleira   |  Curado


Se é livre a palavra
Por que não o passarinho?
Passará longe
Longe do centro urbano

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

*****

Saí apressado de casa*. Apanhei chaves, carteira, celular, cinto e sapato, e fui colocando o que tinha que colocar nos bolsos e vestindo o que tinha de vestir pelo caminho**. Dei um bom dia para o porteiro do prédio e rumei ao ponto de ônibus***. Pulei e subi no veículo que, pela hora, encontrava-se abarrotado****. Em pé, demorei mais de quarto de hora para chegar ao ponto final*****. Desci e, correndo, rumei à escola; passos largos, cheguei a tempo******.

* tinha perdido a hora, já que tinha ido dormir tão tarde no dia anterior. Eu não conseguira tirar da cabeça aquela cena da tarde. Aquilo me consumia de forma tão absoluta que meus sonhos se basearam no tal fato, e acordei pensando nele, e tomei banho vendo a imagem do meu lado, e meu pão tinha aquele gosto .
** agradecia aos céus por ter uma casa para onde voltar ao final do dia; uma carteira gordinha com dinheiro, fotos de quem amava, sobrenomes na identidade e notas fiscais das mais diversas peraltices que fiz; o poder da comunicação com o mundo; calças que me caíam ao corpo esbelto por opção; e algo para calçar e proteger-me dos ancilóstomos.
*** nunca dei um bom-dia tão bem dado quanto dei daquela vez. Aposto que ele também deve ter visto aquilo na TVzinha preta-e-branca de dentro da cabine. Parecia atordoado, também. Me deu um bom-dia hesitante, como que não acreditasse que eu, depois de tudo aquilo, ainda achasse que o dia fosse bom. Não achava, mas desejava. Corri em direção à parada de ônibus e vi que todos reproduziam as feições do porteiro - e a minha.
**** naquele remelexo do coletivo, ninguém ficava sentado por muito tempo. A solidariedade era grande, e todos que chegavam tinham direito a sentar. Mas não era por ter crescido a bondade, e sim por culpa. Quem viu o absurdo da noite anterior sentiu-se, certamente, responsável, de alguma forma por aquilo. Eu era um deles. Minha cabeça girava tanto quanto a catraca.
***** o trânsito estava insuportável. A humanidade dos motoristas, que paravam a cada pedestre que ameaçava atravessar a avenida, entupia as vias de carros e mais carros. Ninguém avançava o sinal, ninguém ultrapassava ninguém, a preferência era sempre do outro... Tragicômico. Tudo por culpa daquilo. Ai, remorso coletivo!
****** correndo, todos me observavam. Ainda tinha forças para correr, enquanto todos pareciam rastejar. Meu terceiro atraso no mês! Não! Não poderia ser suspenso e olhar de novo a cara da minha mãe frente à TV. Muito menos da empregada frente ao rádio. E meu irmãozinho, olhando a janela? Cantarolei uma música, para tirar tudo da mente, imaginei cenas românticas. Cheguei à escola. Chega. Logaritmos, tomem conta de mim. Por lá, todos riam, todos corriam pique, todos contavam piadas. Não chegou lá. Chegou, mas se foi rápido. 

PS.: Até as 12:30, esqueci daquilo. Depois lembrei, mas ninguém estava tão mal. Nem mesmo eu. Esqueci. Pronto para a próxima. Sou nem paleontólogo, para viver de passado.

sábado, 10 de setembro de 2011

Understand?

No English todo mundo se vira
No football a galera grita goal quando batem o corner e a bola balança as redes.
No volleyball, bradam 'match point!', quando o tie break está no fim.
No Rock In Rio, os head bangers pedem um heavy metal e fazem mosh.
Em sua home sweet home, o teenager joga playstation e entra no facebook.
No shopping center, a gang come um Big Mac e toma milk-shake.
No country club, a high society joga poker no derby do jockey.
O pessoal mais cool anda de mountain bike e faz trial, quando tem cash.

Em inglês, todo mundo tem know-how! Quero ver o portugueiz!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Baródia

Vou-be ebora bra Basárgada
Abosto que lá sou bei-vido
Tobara gue tenha buitos rebédios
Bra curar beu dariz eitupido.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Conjunções

Mas. Sempre tem um Mas. Sempre tem um veneno para encher a metade do copo que estava cheio. Nuvem no céu, onda no mar, choro no rosto. Quisera eu abolir os Poréns da vida. Tanto quero que o tento. Contudo, à vezes aparece um Embora. Rogo desgraças por dentro, prego a paz por fora. Que faço eu se nasci metade? Tomás de Aquino me aponta o caminho da perfeição. No Entanto, mal sabe ele que Todavias podem, mesmo que inconscientemente, aparecer. Daí veem-se vários corpos caídos pela estrada. Apesar de alguns desesperos, facilmente gargalham. Onde encontro-me, parece já avançado, segundo meu sistema nervoso egocêntrico central. Conquanto, somente me é perceptível. 
Ao Contrário de meu desejo, não posso abolir as Conjunções Adversativas e Concessivas. Valha-me, gramática da vida! Não deixe que me coloquem mais predicativos!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Zadica

Ahh, bem que eu queria...
O espasmo, a sorte, a nostalgia,
rever a noite e o dia,
no enleio da moça judia.

Ahh, como eu almejo...
O sino, a noite, o desejo,
me ver jogado no beijo,
que vem à trazer-me alegria.

Na ausência, me coço quieto,
com os braços pendendo, me veto,
me encolho de corpo aberto,
e aguardo o fardo seleto.

É. Eu sou assim,
se outrora vivo carmim,
sou nublado domingo.

E venho dormindo mal.

Mas continuo em busca do sal,
das roupas em forma no varal,
e do virgem cal,
que um dia me deste partindo.

É assim que hás de ver-me seguindo,
hora vibrante, sorrindo,
hora estreito e boçal.




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Muito obrigado!

Há exatos 492 dias, fincamos nos domínios Blogspot a bandeira do Zacariaway. A princípio despretensiosamente, a pessoa que vos fala (Luan) e o outro, o poeta dos cabelos ao vento, Luque, queríamos apenas um lugarejo para usar de depósito de nossos devaneios e surtos de inspiração lírica. Se ao início da caminhada pouco propagamos de nossos panfletos por aí, pouco a pouco o blog foi ficando famoso entre o círculo de malucos que andarilham conosco, pelo simples boca-a-boca, principalmente depois de textos, modéstia enterrada, magnificentíssimos, como 'Química (Volume único)', 'Lábios Gruta-Fruta', 'Visão da Divisão' e 'Luminária'. Como uma rajada potente, logo avistávamos links em outros blogs, nos indicando. Nas redes sociais, menções aos nossos textos. Comentários entre amigos, parentes e professores. Zacarias, magânime padroeiro do blog, sorri cada dia mais com o número crescente de peregrinos ao livro virtual.
Sem mais delongas, venho somente no intuito de agradecer a marca de 2.000 passos de estrangeiros pela Zacariaway to Heaven, nesse período de 492 dias. Incomensuravelmente agradecidos aos amigos, aos leitores, aos seguidores, aos parceiros e, obviamente, ao Zacarias, por conduzir nossas saos céus, a partir da escadaria encimentada e, ao que se diga, divina, que ele, austero, vigia.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Chorei de um olho só

Chorei de um olho só. Até agora não sei se foi cisco. Pode ter sido também conjuntivite. Posso ter tido câncer de retina. Não importa bem a causa. O trato é que chorei de um olho só. Foi o esquerdo, que olhava a mureta. O direito, virado pra rua, continuava olhando, à paisana, como se o sol não doesse lá fundo.
O que me embasbaca de ter chorado de um olho só é que não sei o porquê do outro não ter reagido. Outro olho, como foi?, como é? Reaja! Chore junto! Não são amigos de longa data? É assim que amigos fazem. Se bem que, por outro lado, tem um nariz empinado que sempre se mete no meio quando os olhos tentam enxergar a cor da íris do outro.
Talvez estivesse só o olho esquerdo chorando por estar no mundo das ideias. Não o ideário platônico, mas o agressivo mundo dos pensamentos seculovinteeunistas. Aquela reflexão que só a parede entende. Aquelas memórias vistas pela direita, mas agora pixadas no muro. Faz sentido então, afirmar que choro de um olho só porque o direito cansou-se de olhar, e o esquerdo não liberta-se de seus martelos na cabeça. Se é que olho tem cabeça. E aí está mais um dilema, que me faz chorar de um olho só.
Não gosto de chorar de um olho só, porque o outro deveria também sofrer junto. Tão imponente e sofisticado, olhando o mundo a sua volta, não deveria ter sentado com as pupilas cruzadas. Em terra de cego, quem tem olho é rico, e rico nem resto de quentinha dá pra mendigo. Não podem ver ninguém dizendo que olho também tem, que logo arrancam e comem. Mas isso só se você considerar minhas vociferações verdades absolutas. 
Por essas e outras, choro de um olho só como já chorou Luís XIV. Agrada-me o árcade prazer de saber que não sou o único. Por favor, não avise a mim mesmo que não passam de falácias - sou único, sim, senhor. Ai, meu Deus! Pior que eu ouvi! Vou ter que agora chorar de novo de um olho só.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Os Afazeres de Sr. Hermógenes

Perguntaram ao Sr. Hermógenes o que ele andava fazendo.
E ele respondia:

Vou bem, sr.
Cagando gomas e prestando contas, dr.
Embrulhando seu presente e suas penas, amor.
Provando de todos um pouco, sabor.
Guardando aqui e acolá, rancor
Sentindo as vezes uma pontada, uma dor.
Olhando a bela flama e vendo, ardor.
Colhendo ao invés da mágoa, flor.

Transmutando o verso rijo em calor.


terça-feira, 16 de agosto de 2011

Romantica

Nessas horas,
essas que me pego vomitando palavras,
querendo o ninho às favas,
pensando errado e chupando balas,
só então que percebo.

O quão ansioso me faço,
como escrevo mal,
e o quanto anseio o sal,
da pele rosada.

Só a musica me sana,
dessa dimensão plana,

E quanto mais planejo,
mais percebo o ensejo,
de me ver enamorado.

E meu rosto então, corado,
não consegue desviar-se, ancorado,
da dona moça, jovem e viril.

Maquiada azul anil,
me atormenta a cada olhar.

Se eu não fosse de chorar,
melhor entenderia,
no meu caso é melhor deixar,
vir à tona a euforia.


domingo, 24 de julho de 2011

Fim de semana

Te espero sorrindo na cama cortada. Da parte de cima, inaugura-se avenida, que clama o suor do sorrir inocente, que sempre aparece quando o fim começa. Espero deitado, meio curvado, de pés na parede. Espero a brisa bater, e fazer arder meus olhos que transbordam água. Entra, brisa, corre pelo cômodo! Corre com asas de andorinha e traz do Sul o calor da moça! E não é que traz, mesmo?, esse vento suave. Suave como a pele que recheia o algodão, que teima em cobrir a hedônia matéria.
Não há força têxtil mais resistente que minhas mãos ávidas não possam desintegrar. E desintegram para o canto, enquanto canto longas expirações. Minha embalagem é também deslocada ao chão, e pele com pele configuram um epitélio único. E lá no Acre, o Mendes troca o suor dele pelo meu e da companheira. Música orquestrada soa ao fundo, mas tão presente quando pode, ao que a soprano canta a melodia ditada pela batuta.
À janela, um jardim é tão nítido que mais parece estar rodeando-nos, enquanto cirandamos cintilantemente deitados. E eu pirilampo veemente, gozando do ofício de fazer a luz aparecer e sumir. Oh, menina que ri das cantigas, abra teu coração e deixe-me jorrar alegrias em teu seio! Agora assistamos juntos, ao mesmo tempo, à chuva de fogos de artifício que despontam dos céus. As fagulhas vêm aos poucos, em partes, diminuindo de intensidade, até que esteja finda. Porém, a alegria proporcionada não nos foge. Deitados, sorrimos ao Olimpo. Observaremos as nuvens até que fechemos os olhos e sonhemos. Decerto sonharei contigo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Para Doxa.

E quando se acorda desejando a faceira e a beata?
O que fazer?
Quando se dorme a musica querendo o silêncio?
Como proceder?
Jogar-se aos baralhos?
Adentrar as pernas retalhos?

Hoje olhei para um umbigo e vi semente,
olhei para o inquieto e vi doente,
enfermo sem salvação.

Hoje olhei para a mãe e vi papoula,
rija, firme e duradoura,
em seu contínuo rodopiar.

Perdi a hora, esqueci da aurora e fui bailar.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

P.A.

A1 = O homem pensa.
A2 = O homem pensa no que o outro está pensando.
A3 = O homem pensa no que o outro pensa que o outro está pensando.
A4 = O homem pensa no que o outro pensa que o outro pensa que o outro está pensando.
A5 = O homem pensa no que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro está pensando.
A6 = O homem pensa no que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro está pensando.
A7 = O homem pensa no que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro está pensando.
A8 = O homem pensa no que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro pensa que o outro está pensando.
.
.
.
An = Não chega a lugar algum.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sonho e real

A imaginação é tão bela que não pode ser tão bela. Divino deu ao homem a capacidade de não embelezar tanto o pensamento. Pense você, se os sonhos fossem tão bonitos, pra quê viver? Acorde e agradeça ao sol por ser tão quente, agradeça ao ônibus por ser tão cheio, agradeça ao chefe por ser um falastrão. O despertar parafraseia John Lennon, e põe fim ao sonho, e te diz que a realidade é mais difícil do que se pensa. Imagine-se imaginando um campo tão belo quanto Monet pintaria. Agora olhe para fora da janela do ônibus. Levante-se e cumprimente o buraco que fez o coletivo tremer e te acordou, pois ele não te deixou sorrir por muito tempo, e te mostrou o que o olho aberto olha.
Goze da sorte, também, de a realidade não ser exatamente igual à imaginação. Nunca saberíamos quando estamos sonhando ou vivendo a vida real. O beijo da platônica amante poderia ser mentira, e a própria moça correria o risco de ser devaneio. Por outro lado, tudo poderia ser real, mas acharias que é ilusão. E agora? Agora agradeça ao engenheiro que te projetou por ter feito a ilusão diferente da visão do olho.
Sorria pro sonho, sorria pro mundo. Chore no sonho, chore no mundo. Só não confunda os dois, pois você pode sorrir pro sonho e chorar no mundo; ou sorrir pro mundo e chorar no sonho. Talvez o texto não faça sentido pra você, porque eu o escrevi enquanto sonhava. Porém, tenho certeza que quando postei, estava acordado; meu amigo rinoceronte voador pode comprovar.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Rimas forçadas que não resumem a força feita para forçar uma rima

  • O carro enguiçou. E agora? Já não se chama quem namora, mas que mora na amora que adora me amolar. Não se cola com a cola a mola que ali se embola. Chora a mola, chora a cola, chora bola e mariola.
  • O burro empacou. O que faremos? Já não sabemos nem entendemos o que para o vento dissemos. Suponhamos que dissemos que não tememos mais cossenos. Mas se bebemos e esquecemos, aí são lá outros quinhentos.
  • A bolsa caiu. Caiu o quê? Não importa o quê. Ficar de psiqué é tão demodé. Vai deixar acontecer no laissez-faire laissez-passer? Fazer valer a pena o simples ato de viver cai tão bem em você quanto um prato de purê.
  • O pássaro partiu. Pra onde voou? Foi pro sul, rasgou, falou que ia e não voltou. Tacou fogo no celeiro a mãe ali deixou. Para a mãe esganiçante o pobre ainda assobiou: cantou o hino da França e revolucionou.
  • E o amor acabou. Acabou como? Acabou no sono redondo que envolvia o mordomo. O último dono era um gnomo, que tinha um cromossomo que o fazia rimar. O Rei Momo, sem embromo, rimou bromo com cromo.
  • Drummond chorou. Que pena. A próxima cena será mais amena, e a chilena de antena não rirá como hiena. Rirá a cada quinzena com cara de quem condena, pois sua ponte de safena não mais aforismas armazena.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Metalinguagem

Junte toda sua flora sentimental
E pegue o bonde para o Catete
Pule fora sorrateiramente
E grite tudo que viu

Tenha mais de sete faces
E não as jogue para o alto
Pois dose como açúcar
E se os demais lamberem os beiços,
não as exponha demais

Carregue sempre um óculos
Uma luminária seria de bom grado
Dê uma passagem em Belgrado
Só pra ter uma riminha acidental

Por último, seja uma peça
Pode ser de roupa, teatro...
Pode ser até o verbo conjugado
No subjuntivo complexo logaritmo

Aí acaba, está pronto
Do forno sai uma folha de papel
Junto saem um padre, um português e um papagaio
Mas aí a história é outra

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Estrada

Vida minha
vida nossa!
Tão cheia de conturbações.

Me abate de sopetão,
Qual o martelo com a noz.

Me vejo em uma estrada,
Completamente esburacada.
Mesmo tentando,
Não consigo pensar em nada.

Há uma hora atrás eu pensava,
Que eram os buracos na estrada,
Quando na verdade,
A roda da minha carroça é que se fazia empenada.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

'Cafunés'

Quando me faço cafunés eu acelero o tempo,
e me sinto ao enleio de afagos sutis,
revirando meus cabelos qual tapete denso,
relembro o cheiro da rosa e o gosto do anis.

Tudo o que sempre quis foi o ninho de amantes,
e fitar aquele rosto, semblante feliz,
esquecendo o agora, partindo para o antes,
quando as penas não se desgrudavam do pobre perdiz.

Socorro.

Se hoje faço uma preçe, é por desespero,
De reaver distribuídos sorrisos de outrora,
para que possa só doar os dentes que me restam,
e não sentir remorsos ao chegar minha hora.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Menino e a Menina - Parte I

Era uma vez um menino que, por um acaso, se chamava Menino. Menino era um típico adolescente: Sua cabeça era um círculo, e tronco, braços e pernas eram feitos de palito. Usava uma camisa e um short azuis. Ele morava num cubo branco, acolchoado, bem confortável... talvez 'aconchegante' seja o termo certo. Esse cubo tinha dimensões de 8 cachorros de largura e 14 gatos de comprimento. Dentro dele, tinha um livro, uma luz no teto, um Rinossoro e um CD do Led Zeppelin. Além de tudo isso, ali se encontrava uma pequena janela, no canto inferior esquerdo de uma das paredes, que media 2 hamsters quadrados. A janela não podia ser aberta, e nada se ouvia do outro lado.
Menino sempre quis olhar o que tinha do lado de fora, mas tinha medo de ver um mundo feio e ficar triste. Era assim que era descrito no livro: Um mundo com cheiro azedo e com enormes monstros que se mordiam entre si. Um dia, as paredes estavam mais brancas do que o normal, e Menino sentiu-se forte o suficiente para espiar o que se passava além do vidro. Olhou. Lá havia algo que ele não esperava: um outro quarto branco. Nesse quarto tinha uma menina. Por falta de opção, ele resolveu chamá-la de Menina. Menino passava dias olhando a Menina, e nem tomava conhecimento do riff de Stairway to Heaven.
Num dia em que as paredes estavam mais brancas do que o normal, a Menina também olhou pela janela, e viu Menino mirando sua face. Prontamente, a Menina levantou-se e tirou a roupa. O adolescente, no auge de sua puberdade, registrou aquele momento com todas as áreas do cérebro. A cada 2 dias, sentava-se num canto do cubo e revivia a cena. Nos dias que não o fazia, olhava na janela, na espera de que a Menina o visse de novo.
Num raciocínio lógico simples, Menino percebeu que poderia se libertar. Tacou o CD do Led Zeppelin na janela. Ora, se um zepelim de chumbo de músicas pesadas não quebrasse o vidro, o quê quebraria? Dito e feito. Quebrou. Menino encolheu-se até passar pelo buraco. Entrando no cubo da Menina, viu-se sozinho, com um bilhete no chão: 'No meu quarto tem duas janelas. Fugi com o vizinho do lado, o Garoto. Quebrei a janela com meu disco dos Rolling Stones. Boa sorte na vida, e não se esqueça de usar Rinossoro.'

O Menino e a Menina - Parte II

Resolveu o Menino se matar, e o fez.
Depois sua alma jogou o corpo no lixo.
Ele foi reciclado e virou a cadeira onde você está sentado.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Novo cálice

Vinde a mim as criancinhas, vinde a mim os carrapatos, vinde a mim os pombos, vinde a mim os ratos. Não me importo se te prometi arco-íris. Prepara-te para receber um reles chão de cimento. Pouco me assusta o que tu e teu irmão mais velho podem me fazer, pois embora o que eu tenha a oferecer não passe de esmola, há sangue nessa moeda.
Não me entristeço com isso, pois não ofereces perigo. De máximo, comparo-te a um besouro que, apesar da carapaça, não me provoca tremelique algum. Espanto-te com uma vara e deixo estar. Sou maior, sou melhor, tenho uma tiara de brilhantes. Não te considero nada. Senta e ouve o meu discurso imponente! Falo baixo, não grito, sussuro ao seu ouvido.
Não fui eleito, nem aceito, mas apareço com meu peito! Protegido com palavras, domino as mentes fracas. Na ânsia de poder, englobo o globo e imponho meu jogo! Jogo de tabuleiro, valendo a tua vida. Um, dois, três, te domino. Não fuja, volte! É isso ou nada. E no nada te condenam, condenado ao ruim.
Estou aqui pra te tirar o sorriso da cara. Portanto, fique atento. Estou sempre atrás de você. Roubando seus direitos, instituindo-lhe deveres! Jovem, cale-se! Veto, mas sou o cálice.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Lábios Gruta-fruta.

Se em teus lábios me prender,
Não é de se surpreender,
Que jamais me saia.

Se em tua saia rodopiar,
Hei de mais e mais te amar,
Mesmo que de forma bruta.

Se de bruta forma amar-te,
Sustento cá meu baluarte,
De mancebo andarilho.

Que sustenta o estribilho,
Tal qual o poeta Idílio,
O faceiro que canta a fruta,

Lembrando-me cá da cicuta,
Que é distrair-me dos lábios gruta,
Sem querer perder essa luta.

sábado, 23 de abril de 2011

Óculos escuros

O melhor dos óculos escuros
É quando tiramos os óculos escuros
E vemos que o mundo não é tão escuro
Quanto nos óculos escuros

segunda-feira, 28 de março de 2011

Ponto e vírgula;

Cadê as luzes?, cadê as lâmpadas?, cadê os vagalumes purpurinados que cantavam a chegada do menino dos céus? Tudo se apagou. Trovejou, trevejou.
E as lantejoulas que habitavam cada pálpebra?
E os doces de compota que lambuzavam o peito do menino de joelho ralado?
Cadê as renas que tilintavam guizos, e as histórias fantasiosas que alimentavam risos?
Onde se enfiaram o jogos de tabuleiro que afagavam os mafagafos travados nas línguas de fora?
E aonde foram as cantigas, que embalavam corridas, feridas, caídas e queridas?, que as raparigas de mãos dadas rodavam/rodopiavam, musicando suas vidas?
Cadê o bom abraço, largo, fácil, traço, selando o enlaço de dois amantes de esquina?
E as rimas, e as notas? E as bolas, e as cordas? E cai, e assopra; mas tempo vai e não volta.
Fica quem quer, vai sem perceber. Voa e volta no verão, mas volta com seu sofrer. Força rima e sorriso, fica sempre indeciso.
E nunca há de resgatar, mas tudo tem uma saída: pausa rápida e continua contínua, tal qual um ponto com uma vírgula;

sexta-feira, 4 de março de 2011

Poema escrito de costas

Faz-me escravo, faz-me servo
Faz-me eterno, faz-me cravo
Do meu reino te apago
Da minha bênção eu te nego

Cada verso mais extenso é expulso a marreta
Da morada do capeta tenho afeto, raiva e penso:
É possível coroar sem ao menos ser propenso?
E se coroá-lo-ei, ah!, será de coroa preta

Os espinhos dos olhos falsos brilham e me regam
Os pregos que ainda pregam pedem a todos que sorriam
Sorria ao mundo escuro, que ilumina quando viram
E mais parece um paraíso, mas tem o cheiro dos que rezam

Não jogue fora o que foi dito na mesa de jantar
E nem deixe escapar o que digo que sinto
Medieval demais é quando falam com o cinto
Da opinião do livro que foi lido sem olhar

E na hipocrisia, Eu ardia, Eu sentia, não sentia

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"Não piso nem sinto"

Eis que me descubro,pelos olhos da faceira.Sei que sou passível de conclusão primeira,premeditada e rasteira,já de sopetão.
Amo tudo e a todos sem compaixão,sem por que ou perdão,pelo simples prazer de querer.
Meu papel encontra a tinta,minha voz encontra o tom,e meu bico,inúmeras flores transbordando pólem.
Homo-sapiens que sou,quero mais.Quero entrar em almas e pensar por elas pra que se deliciem com meu parecer,e quero comer a carne com o mesmo amor que lhes dou em gravuras remelentas ou abraços fraternos.

Só gostaria de saber o por que.O por que do medo sem fim que nutre as mentes dos menos poéticos.O medo de amar que impedem as pessoas de ouvir declarações sem sentir constrangimento,que impedem homens de demonstrar carinho a amigos e mulheres a amigas.Que desfazem laços fortes como os da amizade apaixonada,como ela sempre deveria ser.
Cá pra nós,vou dizer-lhes.Tenho alguma dificuldade em possuir amizades femininas...Já que quando gosto muito de alguém do sexo oposto,a tendência é a de querer beija-las e afaga-las com todo o carinho que puder oferece-las.Já que pra mim,isso é amar.

Quer desenhos?

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Codicilo

E não duvidei do que viria a ser.
E não duvidei do que viria a ter.
E duvido que não mais será.
E duvido que um dia se vá.

Tudo e todos que jazeram e voaram, cacei e encaixotei.
Caixa fechada, martelada, escondida, guardada por todos os monstros.
Não vou abrí-la nunca mais, mas aponto com todos os dedos: ali está o que passou,
Todavia, cada festejo, cada gracejo, cada lampejo e percevejo que me passaram em presença da alvez, da rubiez e esmeraldez tuas, deixei soltas no bolso. Quando me ocorre de telespectar uma quermesse qualquer, enfio a mão. Tiro risadas, grulhas, peraltices, bulícios, juventude.

E quero transbordar os bolsos de momentos. Quero que os ponteiros dos relógios sejam movimentados por risos. Quero que o cuco cante o amor. Quero que badale suspiros. Quero prá sempre. Até que a foice venha me tocar.
E quando a foice acontecer, peço que fiques com meu maior bem: fica contigo mesma. Num ápice de generosidade, no cume da bondade, deixo-te minha fonte de alegria, jogo a ti minha razão para sentar ao sopé da cama, olhar o escaldo Sol e dizer às chinelas que tudo tem uma razão.
E subo, com a aliança. Grande como o herói Grego, radiante como a Arca de Moisés, glorioso como Júpiter, feliz como eu mesmo.
E de lá te olho, e te guardo. E lá te espero, e te aguardo. Aguardo para que sentes à minha direita, e encoste teu rosto em meu peito. Com um sorriso-de-canto, te beijo a testa. Protetor, protegida.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Rede

Sou uma rede.
Sou uma rede de pano, e sentam e mim.
Deitam, dormem, descansam, repousam.
Já vi muita gente sentar aqui, se abundar e roncar; mas nunca vi iguais, em minha vida de ser-não-vivo, e nem hei de durar tempo suficiente pra ver outros daqueles. Os mais belos passageiros de sesta que comportei.
Acordava o Sol de seu adormecer, despertando os grilos e adormecendo corujas, e eu, rede-platéia que sou, torcia para que os dois se jogassem em minhas costuras artesanais, e me louvassem. E o faziam. Deleitavam do meu algodão como se deleita de cada cômodo de um palácio.
Eu assistia aos risos, aos choros, aos abraços, às gargalhadas.. aplaudia tudo com minhas mãos invisíveis.
Meus ácaros apreciavam o amor da donzela e do rapaz, tal qual uma criança observa o mágico. Declarações de amor verdadeira e espontaneamente declamadas, Viníciusdemoraissíssimas, palavras escolhidas a dedo, Drummondíssimas, previsões do futuro, Nostradamíssimas. Frases que se entrelaçavam, como as pernas dos dois; olhares que se cruzavam, tal qual os braços do casal; beijos que se estendiam, e assim faziam os batimentos no peito de cada.
Mas um dia o menino foi embora, a menina chorou, e eu estou guardada no armário. Ainda se amam, ainda se querem, mas não mais se tocam. Mas ele há de voltar. E hei de assistir, de novo, o filme clássico que não foi à tela, o livro raro não-escrito, o concerto de amores nunca auscutado por ninguém. Só por mim, a rede.