Talentosos, perfeitos, bonitos, cheirosos, charmosos e modestos:

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Rede

Sou uma rede.
Sou uma rede de pano, e sentam e mim.
Deitam, dormem, descansam, repousam.
Já vi muita gente sentar aqui, se abundar e roncar; mas nunca vi iguais, em minha vida de ser-não-vivo, e nem hei de durar tempo suficiente pra ver outros daqueles. Os mais belos passageiros de sesta que comportei.
Acordava o Sol de seu adormecer, despertando os grilos e adormecendo corujas, e eu, rede-platéia que sou, torcia para que os dois se jogassem em minhas costuras artesanais, e me louvassem. E o faziam. Deleitavam do meu algodão como se deleita de cada cômodo de um palácio.
Eu assistia aos risos, aos choros, aos abraços, às gargalhadas.. aplaudia tudo com minhas mãos invisíveis.
Meus ácaros apreciavam o amor da donzela e do rapaz, tal qual uma criança observa o mágico. Declarações de amor verdadeira e espontaneamente declamadas, Viníciusdemoraissíssimas, palavras escolhidas a dedo, Drummondíssimas, previsões do futuro, Nostradamíssimas. Frases que se entrelaçavam, como as pernas dos dois; olhares que se cruzavam, tal qual os braços do casal; beijos que se estendiam, e assim faziam os batimentos no peito de cada.
Mas um dia o menino foi embora, a menina chorou, e eu estou guardada no armário. Ainda se amam, ainda se querem, mas não mais se tocam. Mas ele há de voltar. E hei de assistir, de novo, o filme clássico que não foi à tela, o livro raro não-escrito, o concerto de amores nunca auscutado por ninguém. Só por mim, a rede.