Nas primeiras horas foi um baque. O que
fariam dali em diante? Como manteriam os negócios, o dia a dia? Poucos
ainda lembravam da arte de escrever. Afinal, a última vez que escreveram
fora no C.A. Os que não se esqueceram se viravam como podia, e o faziam
num ritmo aceleradíssimo, devagar, quase parando, porque perderam o
jeito. Era papel por todo o lado, e os chefes já haviam perdido todos os
cabelos. O único conforto desses patrões era o café, que tomavam em PA,
enquanto apodreciam seus dentes em PG. Naquele dia, todo mundo saiu mais cedo.
O caos reinou nas ruas. O stress do trânsito, sem o rádio funcionando -
porque esqueceram como se mexia em aparelhos analógicos - nem GPS
obrigava alguns carros a subirem na calçada, darem de frente nos muros e
passarem por cima de alguns pedestres. Os que conseguiam chegar em casa
antes da madrugada viram os filhos chorando e as mães desesperadas.
No
segundo dia, os supermercados, que não abriram, foram alvos de saques.
Enlatados, processados e congelados. Nada sobrou na prateleira, a não
ser sangue. E sangue também era visto na porta. Quem chegava tarde se
virava como podia: dava tiro, facada, punhalada. Depois foi a vez dos
restaurantes. Todos foram atacados, também. Assim como os mercados, os
restaurantes não tinham aberto, pois nenhum chef se lembrava das
receitas. Nem as donas de casa. Nem a Ana Maria Braga (que nem foi
trabalhar). Nenhuma criança foi à escola, pois não sabiam de mais nada.
Seus livros pararam de funcionar - sim, isso faz sentido. Em casa, nada
os distraía. Nunca aprenderam a jogar peão, nem bola de gude, e o
condomínio não tinha quadra, por ser investimento inútil.
No
terceiro dia, todos acordaram mais peludos. Os homens batiam com pau na
cabeça das mulheres, e perpetuavam a espécie. As cinco ou seis árvores
qe ainda restavam em cada bairro estavam repletas de "neoneandertais",
procurando frutos. De volta à era da pedra lascada. Alguns ainda
lembravam como se andava à cavalo, e eram tidos como deuses de quatro
patas e duas cabeças; matavam quem queriam, para poderem comer.
Desdescobriram a toda e o jeito de se fazer fogo. Passavam a morar em
pseudocavernas: abrigos fechados, longe de grandes predadores,
abundantes em água. Há menos de uma semana, esses abrigos eram
conhecidos como "esgoto". As pestes se alastravam, as pessoas morriam o
povo migrava. Árabes e judeus, espanhóis e bascos, chineses e tibetanos
não tinham mais diferenças etnico-culturais. Agora se matavam para
sobreviver.
No quarto dia, um
pioneiro fez uma tentativa que deu certo. Espalhou a notícia, que logo
correu o planeta: depois de três dias de fim do mundo, a internet havia voltado a funcionar.
Os pelos foram caindo, as roupas foram sendo costuradas, os homens foram
dando as mãos e cantando We Are the World, num coro de sete bilhões de
pessoas, com o fundo da música tocando no YouTube. As empregadas cozinhavam, as crianças estudavam, os homens da bolsa voltavam a gritar e cheirar.
Não
se sabe ao certo quem foi que consertou a rede mundial de computadores.
Como conseguiram ficar sãos, e manter a cabeça inteligente? Acredito
que tenham sido monges budistas, mas estou meio sozinho nessa. Especulam
que tenha sido a NASA, a ROSKOSMOS ou a PMERJ, mas a última é mais
duvidosa. Porém, tanto faz. Na realidade, em menos de uma semana ninguém mais
lembravam do ocorrido, pois nada foi filmado. Assim, os dias em que a
terra parou viraram só mais três dias a menos no mês de fevereiro.