Talentosos, perfeitos, bonitos, cheirosos, charmosos e modestos:

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

*****

Saí apressado de casa*. Apanhei chaves, carteira, celular, cinto e sapato, e fui colocando o que tinha que colocar nos bolsos e vestindo o que tinha de vestir pelo caminho**. Dei um bom dia para o porteiro do prédio e rumei ao ponto de ônibus***. Pulei e subi no veículo que, pela hora, encontrava-se abarrotado****. Em pé, demorei mais de quarto de hora para chegar ao ponto final*****. Desci e, correndo, rumei à escola; passos largos, cheguei a tempo******.

* tinha perdido a hora, já que tinha ido dormir tão tarde no dia anterior. Eu não conseguira tirar da cabeça aquela cena da tarde. Aquilo me consumia de forma tão absoluta que meus sonhos se basearam no tal fato, e acordei pensando nele, e tomei banho vendo a imagem do meu lado, e meu pão tinha aquele gosto .
** agradecia aos céus por ter uma casa para onde voltar ao final do dia; uma carteira gordinha com dinheiro, fotos de quem amava, sobrenomes na identidade e notas fiscais das mais diversas peraltices que fiz; o poder da comunicação com o mundo; calças que me caíam ao corpo esbelto por opção; e algo para calçar e proteger-me dos ancilóstomos.
*** nunca dei um bom-dia tão bem dado quanto dei daquela vez. Aposto que ele também deve ter visto aquilo na TVzinha preta-e-branca de dentro da cabine. Parecia atordoado, também. Me deu um bom-dia hesitante, como que não acreditasse que eu, depois de tudo aquilo, ainda achasse que o dia fosse bom. Não achava, mas desejava. Corri em direção à parada de ônibus e vi que todos reproduziam as feições do porteiro - e a minha.
**** naquele remelexo do coletivo, ninguém ficava sentado por muito tempo. A solidariedade era grande, e todos que chegavam tinham direito a sentar. Mas não era por ter crescido a bondade, e sim por culpa. Quem viu o absurdo da noite anterior sentiu-se, certamente, responsável, de alguma forma por aquilo. Eu era um deles. Minha cabeça girava tanto quanto a catraca.
***** o trânsito estava insuportável. A humanidade dos motoristas, que paravam a cada pedestre que ameaçava atravessar a avenida, entupia as vias de carros e mais carros. Ninguém avançava o sinal, ninguém ultrapassava ninguém, a preferência era sempre do outro... Tragicômico. Tudo por culpa daquilo. Ai, remorso coletivo!
****** correndo, todos me observavam. Ainda tinha forças para correr, enquanto todos pareciam rastejar. Meu terceiro atraso no mês! Não! Não poderia ser suspenso e olhar de novo a cara da minha mãe frente à TV. Muito menos da empregada frente ao rádio. E meu irmãozinho, olhando a janela? Cantarolei uma música, para tirar tudo da mente, imaginei cenas românticas. Cheguei à escola. Chega. Logaritmos, tomem conta de mim. Por lá, todos riam, todos corriam pique, todos contavam piadas. Não chegou lá. Chegou, mas se foi rápido. 

PS.: Até as 12:30, esqueci daquilo. Depois lembrei, mas ninguém estava tão mal. Nem mesmo eu. Esqueci. Pronto para a próxima. Sou nem paleontólogo, para viver de passado.

2 comentários:

Raíssa Christini disse...

há entrelinhas.


gostei.

Gabi disse...

E não é que o menino teve sucesso?