Talentosos, perfeitos, bonitos, cheirosos, charmosos e modestos:

segunda-feira, 19 de março de 2012

Bocha

Era 15 de julho de 1975. A Alemanha estava em festa: final da Copa do Mundo de Bocha! Alemanha Ocidental de um lado, Alemanha Oriental do outro. Os comunas gritavam vitória antes do jogo, agradecendo a Lênin por abençoar seus jogadores bolcheviques. Os capitas, do outro lado, tomavam Coca-Cola e gritavam 'já ganhou' (gewonnen haben!). De fato, a festa estava linda. De Schleswig a Baden-Baden, cornetas, apitos e bandeiras espalhavam-se pelas ruas. Não fosse o muro, uma Guerra Civil tomaria Berlim.
O amor à pátria ideológica tomava por completo os germânicos, que agora não mais queriam saber de seu espaço vital, mas, sim, de alçar o espaço na história dos torneios de bocha.
A partida, disputada na Suíça - ai, Suíça, será que você vai ser sempre neutra? - começou às 16h, horário de Berlim Ocidental, e às 16h, horário de Berlim Oriental. Os vermelhos começaram com a bola. Alçada em direção ao alvo, o técnico soviético contava as revoluções da pelota. Vendo a boa pontuação dos rivais, os direitistas olhavam com inveja. Porém, logo deram o troco, alcançando ótima pontuação e ainda dando uns passinhos de vantagem. 
O jogo foi equilibrado até o final. Era ponto lá, ponto cá. Valha-me, São Trotsky! Acuda-me, São McCarthy! Num clima de Crise dos Mísseis, o mundo esperava por algo bombástico. 
Na última jogada, os Ocidentais conseguiram o empate. Pelas leis do bocha de 1975, a partida seria disputada  pelo cara-ou-coroa. Ih! Aí começou a confusão! Os esquerdistas não aceitaram sucumbir à logica capitalista de basear suas vitórias, ações e decisões a partir de uma moeda. Os direitistas, por sua vez, argumentavam que só jogariam se fosse uma moeda de cent de dólar. Assim, a selvageria generalizou-se: era como a luta de Rocky Balboa e Ivan Drago, mas com dez pessoas de cada lado representando cada um da dupla. Lá em Berlim, o muro não aguentou: os alemães derrubaram a barreira, e nenhum germânico passou aquele dia sem levar um pontapé que fosse. 
O resultado: quinze mil mortos e sessenta mil feridos. As duas equipes foram desclassificadas, e o título caiu nas mãos do Brasil. Tragicômico, não? E o governo Geisel ainda usou isso como propaganda política. 
Agora vê se pode! Aquela taça de bocha de 1975 foi uma hecatombe esquecida pela História. Aliás, esquecida por todos. Quando eu conto, ninguém acredita. Poxa, sou eu lá de inventar essa qualidade de lorota?