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domingo, 11 de dezembro de 2011

Os dias em que a terra parou


Nas primeiras horas foi um baque. O que fariam dali em diante? Como manteriam os negócios, o dia a dia? Poucos ainda lembravam da arte de escrever. Afinal, a última vez que escreveram fora no C.A. Os que não se esqueceram se viravam como podia, e o faziam num ritmo aceleradíssimo, devagar, quase parando, porque perderam o jeito. Era papel por todo o lado, e os chefes já haviam perdido todos os cabelos. O único conforto desses patrões era o café, que tomavam em PA, enquanto apodreciam seus dentes em PG. Naquele dia, todo mundo saiu mais cedo. O caos reinou nas ruas. O stress do trânsito, sem o rádio funcionando - porque esqueceram como se mexia em aparelhos analógicos - nem GPS obrigava alguns carros a subirem na calçada, darem de frente nos muros e passarem por cima de alguns pedestres. Os que conseguiam chegar em casa antes da madrugada viram os filhos chorando e as mães desesperadas. 
No segundo dia, os supermercados, que não abriram, foram alvos de saques. Enlatados, processados e congelados. Nada sobrou na prateleira, a não ser sangue. E sangue também era visto na porta. Quem chegava tarde se virava como podia: dava tiro, facada, punhalada. Depois foi a vez dos restaurantes. Todos foram atacados, também. Assim como os mercados, os restaurantes não tinham aberto, pois nenhum chef se lembrava das receitas. Nem as donas de casa. Nem a Ana Maria Braga (que nem foi trabalhar). Nenhuma criança foi à escola, pois não sabiam de mais nada. Seus livros pararam de funcionar - sim, isso faz sentido. Em casa, nada os distraía. Nunca aprenderam a jogar peão, nem bola de gude, e o condomínio não tinha quadra, por ser investimento inútil. 
No terceiro dia, todos acordaram mais peludos. Os homens batiam com pau na cabeça das mulheres, e perpetuavam a espécie. As cinco ou seis árvores qe ainda restavam em cada bairro estavam repletas de "neoneandertais", procurando frutos. De volta à era da pedra lascada. Alguns ainda lembravam como se andava à cavalo, e eram tidos como deuses de quatro patas e duas cabeças; matavam quem queriam, para poderem comer. Desdescobriram a toda e o jeito de se fazer fogo. Passavam a morar em pseudocavernas: abrigos fechados, longe de grandes predadores, abundantes em água. Há menos de uma semana, esses abrigos eram conhecidos como "esgoto". As pestes se alastravam, as pessoas morriam o povo migrava. Árabes e judeus, espanhóis e bascos, chineses e tibetanos não tinham mais diferenças etnico-culturais. Agora se matavam para sobreviver. 
No quarto dia, um pioneiro fez uma tentativa que deu certo. Espalhou a notícia, que logo correu o planeta: depois de três dias de fim do mundo, a internet havia voltado a funcionar. Os pelos foram caindo, as roupas foram sendo costuradas, os homens foram dando as mãos e cantando We Are the World, num coro de sete bilhões de pessoas, com o fundo da música tocando no YouTube. As empregadas cozinhavam, as crianças estudavam, os homens da bolsa voltavam a gritar e cheirar. 
Não se sabe ao certo quem foi que consertou a rede mundial de computadores. Como conseguiram ficar sãos, e manter a cabeça inteligente? Acredito que tenham sido monges budistas, mas estou meio sozinho nessa. Especulam que tenha sido a NASA, a ROSKOSMOS ou a PMERJ, mas a última é mais duvidosa. Porém, tanto faz. Na realidade, em menos de uma semana ninguém mais lembravam do ocorrido, pois nada foi filmado. Assim, os dias em que a terra parou viraram só mais três dias a menos no mês de fevereiro.

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